domingo, 11 de agosto de 2013

O nojo do gozo que não participei – sobre estupro e outras formas de machismo


Dentre as muitas coisas que tenho lido, este texto, escrito pela Hannah Thuin, estudante de Direito da Universidade de Brasília, me "representou" tanto e de tal forma que não conseguiria recortá-lo ou modificá-lo de nenhuma forma. Segue, na íntegra.

A história que segue é suja, densa – tão densa quanto o último respingo dela. A história que segue é dantesca: retrato de um pesadelo acalorado pelo inferno. É uma história que nada posso barganhar para esquecer; história que nada pude fazer para deter. É uma história-memória sem cortes ou censuras – a linguagem é crua e dura. Inadequada para quem com a verdade da realidade não pode ter. Não leia se este último papel cabe em você.

Saía da aula. Tarde. Estacionamento parcamente iluminado. Transeuntes inexistentes. Tudo era sombra – à exceção da Lua cheia: seria ela a única a testemunhar.

Seiscentos metros; sessenta passos: foi essa a distância percorrida antes que aquelas mãos segurassem firme meu ombro. Segundos. Minha bolsa no chão. A chave do carro perdida na grama próxima. Eu não conseguia gritar, mexer, fugir. Desespero. Enquanto uma mão rasgava minha blusa, a outra expunha o pau duro para fora da calça. Quis vomitar.


“Vadiazinha. Piranha. Vou te comer sua patricinha. Fica quietinha. Se abrir a boca, te mato.”


Sob o bafo dessas palavras, despertei. Reagi, tentei escapar. A força dele era o dobro: eu quis ter voz para morrer.


“Papai aqui vai te mostrar como se faz. Te foder toda. Te mostrar o que é um homem de verdade”.


Subjugou-me pela testosterona dobrada: forçou-me os joelhos ao concreto; forçou-me a boca ao pau ereto. Segurava-me pelos cabelos. Ia e voltava, com força, a cintura no meu rosto. Aquele chicote estalando na minha garganta. Os pelos do escroto roçando nos meus lábios.
Uma.
Duas.
Três.
Quatro.
Perdi as contas de quantas vezes sufoquei; de quantos tapas deferiu-me com aquelas mãos de monstro pelos desmaios que meu nojo ensaiou. Incansável. Só parou quando da minha voz saiu o vômito. Vômito que conheceu mais minha pele que o chão. Vômito que não interrompeu o animal; vômito que não o comoveu; vômito que não o impediu.


“Sua porca. Escrota. Tá com nojinho? Agora vai ver o que é bom.”


Arrancou minha saia. Jogou-me ao chão. Minhas bochechas esfoladas no asfalto. O corpo pesado daquele homem me esmagando. Aquelas mesmas mãos monstruosas forçando caminho entre as minhas pernas; aquele mesmo pau duro a me violar. Ao sangue do meu rosto arranhado, da minha boca cortada, juntava-se o sangue do meu sexo machucado. Escorria a resposta das minhas entranhas; traduzia em cor a dor que eu não conseguia gritar. O bafo daquele homem estranho, sua respiração descontrolada aos pés do meu ouvido. Aquela coisa asquerosa entrando e saindo de mim:
entrando
e
saindo;
entrando
e
saindo. Sob o meu pranto silencioso, o rosto desfigurado de tantas idas e vindas da pele naquele recorte duro de piche- o ritmo dos arranhões conduzidos pelo pau insaciável de um estranho. Além do choro, o sangue; além do sangue, o gozo. O gozo dele. Aquele sêmen todo a adoecer minhas partes; aquela porra a descer pelas minhas pernas: líquido branco, denso: morte.
Liberou seu peso sobre mim. Recolheu o pau murcho à braguilha fechada.


“A princesinha tá toda fodidinha. Já quer mais, né, putinha? Delícia.”


Dispensou um último tapa forte na minha coxa – foi embora caminhando. Minhas mãos desceram à virilha; manchei-as com aquela mistura de branco com vermelho: jamais unir-se-ão em rosa.

Não sei quanto tempo larguei-me ali. De pernas abertas. De roupa rasgada. De olhar perdido. Quando me encontraram, já era tarde. Tarde na hora do relógio, tarde na hora impossível de se evitar: ninguém mais poderia me salvar, minha vida acabara ali.

Dos procedimentos que se seguiram- o IML, os infinitos exames, as tonalidades e prescrições de cada caixa de remédio-, apenas participei do banho. Esfreguei minha pele com tanta fúria, com tanto nojo, como se a carne daquele homem não fosse se desprender nunca da minha – como se ele ainda estivesse ali. Não terminei enquanto outras nuances minhas, além da dor, tornaram-se expostas. Aquela noite me tornou uma pessoa quebrada: deixou a memória no corpo; usurpou a (c)alma.

Os únicos momentos em que eu recobrava a vida, para logo perdê-la, afloravam ao longo do sono. O chão áspero, o pau duro, o nojo, o sangue, o gozo dele escorrendo pelas minhas pernas. Como se todo dia eu precisasse morrer um pouco mais. E morria. Pesadelos sem rosto – assumiam um novo a cada abrir de olhos. Todos se tornaram, assim, possíveis estupradores: o porteiro, os amigos, os vizinhos, meus irmãos. Enxergava em todos eles a mesma repulsa. Ninguém escapava ao meu medo; o medo não poupava sequer os Santos.

Em algum ponto, porém, estar morta tornou-se insustentável. Não havia o que fazer quanto ao meu homicídio – não acharam um nome a punir pelo estupro. A minha morte, contudo, desenrolava-se em outra: mamãe. A culpa, tão injusta em escolher suas vítimas, a atingiu, a adoeceu. Não foi por mim, portanto, que voltei – foi por ela. E, ao voltar, percebi que não só por ela eu deveria renascer, mas por todas. Por todas as mulheres. Por todas as mulheres que tiveram seus corpos violados e suas almas furtadas, mutiladas, assassinadas.

Por todas as mulheres estupradas ao percorrer o caminho entre a L2 e a UnB. Por todas as mulheres estupradas ao pegar uma van de Copacabana para a Lapa. Por todas as mulheres estupradas após serem intencionalmente drogadas por seus colegas de trabalho. Por todas as mulheres enganadas por seus ídolos e, por eles, estupradas coletivamente. Por todas as mulheres forçadas a transar com seus companheirxs- porque isso também é estupro. Por todas as meninas abusadas por familiares ou pessoas próximas. Por todas as mulheres e meninas que se calaram por medo, que não denunciaram, que se sentiram culpadas porque assim, desde sempre, foram ensinadas pela sociedade. Por todas as que não conseguiram carregar o peso dessa memória e encontraram, no suicídio, a única possibilidade de redenção. Por todas as mulheres que não renasceram; por todas as que sobreviveram; por todas as que, como eu, de alguma maneira, hão de sobreviver (e renascer).


SOBRE AS NUANCES DO MACHISMO


O estupro é um dos filhos bastardos do machismo. Bastardo porque deste herda os traços, mas não o reconhecimento. O machismo é a raiz podre que germina em solo Argiloso; é o início do espinho que emerge na Terra Roxa; é o calvário que se instala no Calcário. O machismo está em toda parte. Enraizado. Reproduzindo livremente seus podres frutos e alimentando, com eles, tradições e poderes apodrecidos. O machismo veste muitas cores, muitas modas, muitos nomes. O machismo é a nossa crítica à saia curta e ao decote; o machismo é a nossa repulsa à puta e concomitante glorificação do conceito menina-santa-songa-monga. O machismo é a crucificação do aborto travestido de religião; é, também, a proibição da ordenação da mulher. O machismo é árvore de muitos galhos.


O machismo não me deixa jogar bola, porque futebol é coisa de homem; não me deixa conduzir um carro, porque mulher no volante é barbeira; não me deixa ser a capa de um jornal de finanças, sorridente e bem sucedida, porque esse papel milenarmente cabe, tão somente, ao homem (branco). O machismo não deixa que eu me expresse, que eu marche pelos meus direitos, que eu exponha meu corpo como eu quiser.

O machismo não deixa que eu escolha minha foda, a minha companheira no lugar de companheiro – se quero ou não ter filhos. O machismo não me deixa ser mãe solteira. O machismo não deixa que ela ganhe mais que ele ou que ele cuide da casa e auxilie-a nas responsabilidades domésticas. O machismo não deixa que a mulher seja o que é: forte. Ele tenta o tempo todo submetê-la à obediência, à submissão, à resignação.

O machismo, contudo, sabe ser generoso – abre “exceções”. O machismo permite objetificar o corpo da mulher para que seja essa a imagem impulsionadora das vendas de carros e de cervejas. Permite ao marido ser convocado em propagandas toscas de rádio a bancar o consumismo clichê feminino – resume a mulher ao crédito. Permite e reforça a exigência das curvas sempre exatas, da roupa comportada, das unhas feitas, do cabelo liso e escovado. Permite que o cavalheirismo seja visto como gentileza dele e o sexo como obrigação servil dela. Permite que ele faça da infidelidade um estilo de vida e do pênis um instrumento de reconhecimento e poder. O machismo permite que a apologia ao estupro em uma recepção de vestibular seja vista como um caso isolado de “dois babacas” dessintonizados com o curso e não como um problema institucional que ultrapassa os muros da Universidade- o espaço acadêmico hodiernamente (e infelizmente) ainda reproduz, sem a necessária reflexão, os ecos e ensinamentos que vêm de antes, que vieram e vêm lá de fora. O machismo permite que a hipocrisia se diga moral e, em um cuspe, agrida as mulheres que marcham por um necessário despertar; permite, inclusive, normatizar o estupro, assegurando, àquele líquido branco, a hospedagem no útero, sem questionar a existência de um prévio aceite: se ela disse sim ou se disse não, para o machismo, tanto faz.

Engana-se quem pensa ser o machismo opressor apenas do feminino. Senhor feudal, pai, filho e herdeiro das tradições e do conservadorismo, o machismo é poder corrupto e mecanismo de exclusão que se pretende perpétuo. É em nome dele e por ele que se prega e legitima o homem branco como “the choosed one” para dominar a tudo e a todos.

É em nome dele e por ele que se mascara o fundamentalismo de democracia e a intolerância de religião. É ele quem dilata as nossas glotes e permite um indigesto Feliciano permanecer na presidência da Comissão de Direitos Humanos. É ele que o impede o Ministério da Saúde de veicular uma campanha em que afirma que prostituta também é gente e é gente feliz. É ele quem veta um kit que prega o respeito e a compreensão da sexualidade que escapa aos padrões normativos, mas permite e incentiva, com recursos públicos, a distribuição de uma cartilha que, não contente em veicular a homofobia, relativiza o estupro, personificando o gozo do estuprador em uma vida a ser protegida. É ele que condena as rupturas, que agride àquela que se insurge contra o sistema, que demoniza os seus símbolos. 

É em nome dele e não de Deus que se pratica o racismo, a homofobia, o feminicídio, a opressão de classes. É ele quem cerceia com normas, padrões e pecados intransigentes o próprio existir dos sujeitos.

Não sejamos ingênuos nem tenhamos piedade com quem nunca nos poupou. Não se combate o machismo com afagos na cabeça e conversas baixas. Não se combate o machismo com a manutenção dos símbolos nem com o silêncio de quem a tudo assiste inerte e, assim, consente. Não se combate o machismo marchando em fila indiana e batendo continência para a hipocrisia. É preciso peito. Esteja ele nu ou pintado – a coragem de impô-lo traduz-se na ausência de panos, sem temer o pudor do moralismo alheio. Não existe paz sob a regência do medo. Não existe democracia quando a metade do povo, dita ironicamente de minoria – cracia-, é feita de demo indialogável e invisibilizado pelas bandeiras monocromáticas do branco classe média hétero “religioso”. É muito fácil criar pecados e interpretar de maneira viciada o calçado do Outro, difícil é dispor-se à alteridade de enxergá-lo para além dos estigmas e da herança dos frutos podres que desde cedo nos são dados como alimento e como instrução.

Que o senso comum, a homofobia, o racismo, o feminicídio, a opressão de classes, a xenofobia, que todos esses rostos do machismo se tornem, a cada dia mais, os verdadeiros outsiders. Sejam eles os deslocados, os excluídos, os eliminados. Que a gente desperte os sentidos e a vontade para entender e enfrentar o verdadeiro inimigo e seu exército de formas, linguagens, poderes, pessoas. Que a nossa revolução comece em nós mas em nós não termine e não se contenha; que se expanda, que invada a rua, o comércio; que barulhe os ouvidos até que seja verdadeiramente escutada, sentida, pensada.


Há muito para fazer: há um tanto de dureza e concreto para demolir. Os caminhos, contudo, estão aí, abertos. Há um incômodo com potência para ser mudança. Há gente muito boa na rua pronta para o novo. Que a gente não perca o embalo e nem a coragem e, se por ventura, faltar o norte, que a gente tenha o gosto do nojo na memória: aquele líquido branco banhado de sangue e de pranto – gozo egoísta, monstruoso.

segunda-feira, 1 de abril de 2013

A atualidade de um Porto (não muito) Alegre, mas DE LUTA!


O poder está de volta às ruas de Porto Alegre. E não falo aqui de poder militar, policial ou quaisquer outras manifestações desse tipo. O poder popular, o verdadeiro poder, está de volta às ruas de Porto Alegre.

Entenda o caso. Não é atual a notícia de que as passagens do transporte coletivo da capital gaúcha figuram entre as mais caras do país (antes do último aumento em 21 de março deste ano, o preço estava em R$2,85 perdendo o “posto” apenas para São Paulo – onde com R$3,00 tu pode fazer até quatro viagens de ônibus). Porto Alegre é uma capital de área territorial pequena (cerca de 500 mil km²) e seu sistema de transporte coletivo não realiza grandes itinerários de forma a corresponder a essa tarifa exorbitante.

Mas peraê! Isso não é invenção maluca da minha cabeça! Vamos aos dados...

No final do ano passado, o Ministério Público de Contas (MPC) apresentou uma medida cautelar ao Tribunal de Contas do Estado (TCE) de forma que este deveria rever o cálculo das passagens. Ao final deste processo, o MPC lançou uma orientação dizendo que o valor da passagem deveria estar em R$2,60 – e, então, iniciou-se uma discussão se haveria redução dos valores e, até, se esta seria, ou não, retroativa (como não há possibilidade de devolver o valor pago a cada um dos passageiros, a retroatividade apresentava-se como uma redução para além dos R$2,60 propostos). Para situar vocês, esta decisão teve sua última instância no início de março.

Uma pequena observação para os que não são de Porto Alegre: o transporte coletivo daqui é um completo lixo. Atrasos, superlotação e falta de segurança fazem parte do cotidiano. Os pontos de ônibus estão completamente descuidados pela prefeitura. As únicas obras que estão sendo feitas no sentido de “melhorar” o transporte é a implantação dos corredores BRT (Bus Rapid Transit) – uma obra da Copa que tem atrapalhado o trânsito muito mais que ajudado.

Pois bem, voltemos. Ao fim desde mês (dia 21), o prefeito José Fortunatti (PDT), junto com a EPTC (Empresa Pública de Transporte e Circulação), resolveu ignorar a orientação do MPC e aumentou a passagem. Aumentaram. De novo. O valor não chegou aos ridículos R$3,30 que as empresas de ônibus estavam pedindo, mas para os (pouco menos) absurdos R$3,05 (6,51% de aumento). Óbvio, como todo ano acontece, a “culpa” do aumento caiu sobre as gratuidades, isenções, meias passagens, salários dos rodoviários, etc, etc, etc. E muita gente caiu nessa.

Mas ainda há esperança!

Não foram todos que engoliram este aumento – muito pelo contrário! Antes dele ser decretado, cinco atos já haviam sido realizados. Com o aumento, manifestações populares eclodiram nas redes sociais. Um primeiro ato aconteceu na noite de segunda feira (dia 25) quando os manifestantes fecharam a Avenida Ipiranga (uma das maiores e mais movimentadas daqui) – cerca de 200 pessoas protestaram em frente à PUC-RS e depois seguiram pela avenida, bloqueando o trânsito.




Na quarta feira, dia 27, um novo ato em frente à prefeitura reuniu centenas de manifestantes bradando sua contrariedade ao reajuste. Como (infelizmente) já é de praxe aqui na capital, a Brigada Militar resolveu “lidar com os manifestantes” e lançou bombas de efeito moral. Com isso houve revolta dos que ali estavam e a violência aumentou: a prefeitura teve portas pichadas, vidros quebrados e outras avarias patrimoniais. O secretário municipal de Governança, Cézar Busatto (PMDB), teve sua roupa manchada por tinta lançada pelos manifestantes. Estes sofreram a truculência da polícia. Uma manifestante foi detida e o ato só terminou quando ela foi liberada.



Recua polícia, recua! É o Poder Popular que está na rua!


Pois bem, depois disso tivemos que aguentar o Lasier Martins (jornalista da afiliada da Rede Globo no RS) falar mais de suas besteiras durante o noticiário local. Chamou os manifestantes de bárbaros, animais. Disse que eles não tiveram sensibilidade com a semana de aniversário de Porto Alegre (!!!) – como se o prefeito tivesse pensado nos 241 anos completados no último dia 26 antes do aumento – e que estes atos eram realizados por “figurinhas carimbadas” que levam outros a depredar patrimônio e não trazem nenhum benefício à população. Nas redes sociais, discussão e mais discussão, porém com a maior parte das pessoas apoiando os populares e suas ações.



Hoje mais um ato foi realizado. Mais de DEZ MIL pessoas foram contabilizadas. Para tristeza dos direitistas, nenhuma “depredação do patrimônio” aconteceu. Ahhh, sim! Ia me esquecendo: na tarde de hoje o prefeito reuniu-se com “representantes estudantis” para discutir o aumento das passagens. Coincidentemente (só que não), o DCE da UFRGS não estava representado nesta reunião. Os membros da UEE (União Estadual de Estudantes) – entidade que não representa ninguém, é filiada à UNE e extorque os estudantes anualmente pedindo valores absurdos para a confecção de carteiras de passe escolar – disseram ter convidado o DCE (uma das principais entidades organizadoras dos atos), mas não chegou nenhum convite! Conversas a portas fechadas com entidades que têm claras ligações com o governo, não representam a população, muito menos os estudantes, ô seu prefeito! Aprenda isso!



Porto Alegre está nas ruas, nós não iremos parar até essa passagem baixar o preço. Até este transporte ser digno. Até a população ser ouvida.



Se a passagem não baixar, Porto Alegre vai PARAR!

Desculpem o tamanho do texto, estou empolgada!




Para quem tá em busca de maiores informações: googleia a Zero Hora (jornal das organizações Globo) ou vai nesses links:
Sul 21 - protesto
Sul 21 - Reunião prefeitura




sábado, 9 de março de 2013

Dia Internacional da Mulher


          E passou mais um 8 de março, Dia Internacional da Mulher. Estamos em 2013, mas, nas redes sociais, ainda prevaleceram postagens exaltando a feminilidade, graciosidade e delicadeza das mulheres, ao parabenizá-las pelo "seu dia". Será que estas são características das mulheres, no geral? Aliás, será que o Dia Internacional das Mulheres serve para isso, parabenizar as mulheres no geral?


          Bem, voltemos à origem desta data.


        Neste dia, do ano de 1857, as operárias têxteis de uma fábrica de Nova Iorque entraram em greve, ocupando a fábrica, para reivindicarem a redução de um horário de mais de 16 horas por dia para 10 horas. Estas operárias que, nas suas 16 horas, recebiam menos de um terço do salário dos homens, foram fechadas na fábrica onde, entretanto, se declarara um incêndio, e cerca de 130 mulheres morreram queimadas. 


       Na Rússia, as comemorações do Dia Internacional da Mulher foram o estopim da Revolução russa de 1917. Em 8 de março de 1917 (23 de fevereiro pelo calendário juliano), a greve das operárias da indústria têxtil contra a fome, contra o czar Nicolau II e contra a participação do país na Primeira Guerra Mundial precipitou os acontecimentos que resultaram na Revolução de Fevereiro. Leon Trotsky assim registrou o evento: “Em 23 de fevereiro (8 de março no calendário gregoriano) estavam planejadas ações revolucionárias. Pela manhã, a despeito das diretivas, as operárias têxteis deixaram o trabalho de várias fábricas e enviaram delegadas para solicitarem sustentação da greve. Todas saíram às ruas e a greve foi de massas. Mas não imaginávamos que este dia das mulheres viria a inaugurar a revolução”.

      Após a Revolução de Outubro, a feminista bolchevique Alexandra Kollontai persuadiu Lenin para torná-lo um dia oficial que, durante o período soviético, permaneceu como celebração da “heroica mulher trabalhadora”.

       (tirei o texto da wikipédia. Não há um consenso histórico sobre o primeiro parágrafo mas resolvi transcrevê-lo pois é o que comumente nos é ensinado nas escolas)


       Atualmente o 8 de março é uma grande mistura de dia das mães e dia dos namorados; mais uma data comercial que acaba trazendo à tona esteriótipos opressores da nossa sociedade. Mulheres ganham presentes dos seus pais, maridos e chefes. Rosas e sapatos são vendidos aos montes. Mesmo assim, apesar da suposta valorização da mulher, continuamos aprendendo que tem coisas que os homens podem fazer e que nós não podemos. Continuamos ganhando menos no mercado de trabalho. Continuamos com nossas jornadas duplas ou triplas. Continuamos sendo esteriotipadas. Continuamos sendo chamadas de vadias por gostar de sexo. Continuamos sendo espancadas e mortas, pelo simples fato de termos nascido mulheres.

       Não posso concordar com essa lógica. Para mim, o dia 8 de março tem classe: Dia Internacional da mulher proletária, que luta, que diariamente é oprimida pelo sistema, que sofre, que é explorada, que não desiste – a HEROICA MULHER TRABALHADORA.

           
        Que o 8 de março seja uma data para repensarmos desde a educação que damos às nossas crianças até a forma como agimos diariamente . Para lembrarmos que a valorização da mulher não se dá pelo comprimento da sua roupa, mas pela mudança de toda a sociedade. Para percebermos que as características femininas estão, há muito, deturpadas pelo sistema. Para desejarmos que a liberação sexual das mulheres pare de ser uma utopia e vire realidade. Lembrarmos que as mulheres não se distinguem em "pra namorar" e "pra transar". Compreendermos que a mulher possui direito absoluto sobre seu corpo e somente a ela cabe decidir o que fazer com ele. Que mulheres podem amar outras mulheres. Percebermos que a mídia nos aprisiona dentro de um padrão de beleza a cada dia mais impossível. Que temos o direito de andar na rua, nos ônibus, nos metrôs sem sermos assediadas. Entendermos que mulheres gostam de sexo e merecem o prazer. Que somos diferentes, mas temos que lutar lado a lado

                    



       Tanto mais podia ser dito, mas tentarei resumir e deixar claro: não queremos flores dia 8 de março, queremos DIGNIDADE e RESPEITO!






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domingo, 27 de janeiro de 2013